A casinha.

Aquela casa era velha e parecia cansada, para um monte de tijolos. Eu não sabia se eu tinha ou não gostado dela na primeira vez que diminui meus passos na rua mais deserta da minha pequena e pacata cidade, mas eu me recordo muito bem deste dia. Ah, sim, lembro. O Sol estava caindo ao encontro do horizonte alaranjado, eu podia escultar cada passo que meus pés se atreviam a dar, espalhando as folhas, que antes vestiam grandiozas árvores, pela calçada esburacada e cheia de tufos vegetais que criavam uma linda moldura natural envolta dela. Receosos, meus olhos observavam, de relance, os quatros cantos da ruazinha abandonada a fim de prevenir de um imaginário ataque alienígena ou, quem sabe, de um marginal qualquer. Quem sabe. Quem? Só havia uma pessoa alí para pensar em saber alguma coisa. Repita. Quem? Apenas eu. Foi enquanto eu pensava, enquanto meus pequenos e mal-alimentados neurônios queimavam que eu percebi uma coisa na qual não teria e nem conseguiria prender a atenção de ninguém alí. Tão ingênua, contudo, rigorosa quando tratava-se de aparência. Pois bem, eu não conseguia enxergar e nem extrair nada da faxada obscura, agora somente iluminada pelo luar. Estava sob a Lua. O Sol havia sumido. Você o viu por aí? A ruazinha ladeada continuava deserta e eu permaneci em pé diante a casinha, tentando decifrá-la nos mínimos detalhes. Era linda, linda e cansada. E não, não sou indecisa. Será que eu cheguei mais longe do que qualquer outro a respeito da imaginação daquela casa? Olhei para o chão. Ao contrário da calçada anterior, esta não possuia sequer uma mera plantinha; apenas pedras cinzentas feito as nuvens que passavam sob minha cabeça e o teto vermelho da casa. O teto... Senti vontade de arrancá-lo do resto de sua estrutura e espiar, incansavelmente, o que poderia ter alí dentro. Eu poderia com a habilidade mais propensa que possuo. A habilidade de imaginar. Mas não o fiz; preferi continuar admirando a estranheza da pequena moradia. Quase indiscritível. Quase. Pelo menos uma janela estampada à frente havia, cor de mar que encheu meus olhos castanhos de água salgada. O que foi aquilo? Um reflexo do que poderia ser uma emoção ou apenas forcei demasiadamente minha visão para tentar e enfim conseguir reconhecer aquela tonalidade de cor em meio à escuridão? Sacudi meu crânio e pisquei forte com a intenção de espalhar aquelas lágrimas desconhecidas para mim. Confesso que me assustei. Logo após o abrir de meus olhos, instantâneamente o poste mais próximo de mim fora acesso, seguido do outro ao seu lado. A oportunidade que eu não esperava estava alí, diante meu rosto cético e infeliz. Um pequeno muro branco separava o jardim abandonado de todo o resto da rua. A casinha, que no escuro me parecia tão carente e bem cuidada em relação as outras casas vizinhas, se mostrara idosa e muito mal-aposentada quando iluminada pela luz pública. E agora, estava realmente na hora de dormir.

Conto feito por Angélica Andrade.

Madrugada.

Londres depois da meia-noite – não há estrelas; um manto de nuvens cobre a cidade como um velho cobertor da tropa húmido. A luz de vapores de sódio que emana de centenas de milhares de candeeiros escorre do céu, dando aos cantos do mundo uma tonalidade alaranjada e fazendo com que a nuvem noturna brilhe suavemente, como nevoeiro radioativo. A falsa aurora permanente desperta as aves do seu sono, e elas pontuam a banda sonora dos ruídos urbanos com súbitos trinados campestres. Nas orlas da velha cidade, algumas raposas galopam, alguns sujeitos que ficaram a beber até tarde seguem o seu instinto e regressam a casa. Na zona dos armazéns vitorianos cobertos de fuligem, as coisas estão tranquilas. Nos átrios, sentados à secretária da recepção, um ou dois seguranças dormitam inclinados sobre revistas, à espera que o tempo passe. Noutros locais, a cidade nunca dorme, mas aqui a atividade é comercial e, num certo sentido, alimentada pelo Sol. À noite as máquinas descansam. As únicas coisas que se movem ao longo das ruas são rajadas de ar com a sua carga de neblina e poluição.

"Fé é o pássaro que sente a luz e canta quando a madrugada é ainda escura."
Frase de Rabindranath Tagore